quinta-feira, dezembro 01, 2005

Dilúvio Voluntário

Saciamos a carne, o espírito e a vontade, em troca seria justo as me-ras casualidades de uma vida repleta de realizações. Temos tudo ao alcance de uma fera insaciável, porém quem dita as leis é o mundo, insano e cheio de conformismos. Somos luz, somos corpo, somos a evidência de um amanhã que não cessa. Somos carne, putrefamos sem o consumo de nossas vidas.
Quem quer saber as vontades que pertencem aos emancipados pela insatisfação, ora cansados, ora descontraídos, ora ignorados. Queremos a busca por algo que encante, de uma forma verdadeira e concisa. Quer se ter, se quer querer, se quer amar e sofrer numa sintonia que condiz com a coerência de uma realidade “real”, se quer entender o porquê de fatos totalmente indefinidos por mentes que se exaltam no egoísmo astral.
Quem dera ter os céus para celebrar algumas divindades, há quem queira vida para se consumir, há quem quer um casulo para sucumbir, há quem quer irradiar tristeza para se expandir. Poucos sãos e muitos completos de manias totalmente incoerentes e imperfeitas. Desistimos do inevitável, realçamos a insegurança e no final, quem se transforma em que? Luz e sombras denotando a irreal razão que pensamos ter...
...Quem somos para pregar a verdade de um mundo totalmente dinâmico. Excluímos as verdades e pensamos estar caminhando rumo à perfeição de uma jornada. Temos tudo, embora o nada seja mais promissor para nossas vidas.
Quais seriam as reais propostas de uma vida regada de incertezas quanto ao futuro: chula e sem propósitos, louca e sem porém, devastadora para nós mesmos. Queremos o “real abstrato”, o virtual que possamos pegar, o sentir que nos exalta, o amar para conhecer a pureza de qualquer sentimento.
Por quê nos fechamos em paredes mudas vingando a nossa eterna falta de percepção; qual a razão de um desencontro voluntário, qual a verdade de nossas próprias mentiras. Ontem o encontro com as divindades presentes em nós mesmos, amanhã a lisérgica objetividade que nos deixa na mais completa solidão...
...O casulo é abrigado por vestes que não cobrem nem mesmo a mínima parcela de nossa vergonha, como voltar à vida, semeando o inteligível mundo do caos seria uma opção totalmente inescrupulosa...Sanar, resolver e aperfeiçoar não condiz com uma vida em prol de uma segurança exacerbada, queremos nos apoiar em vidas concretas, tanto na individualidade quanto na coletividade...O giz de nossas vidas é dinâmico enquanto existem as boas causas, as reais virtudes, a experiência de uma unidade exclusiva, a vontade que não quer acabar...
...Quantos fatos apoderam de nossa clareza...Quantos anos passam em prol de minutos que desistimos de aperfeiçoar...Quantas noites se vão em prol de um momento singular... Quem dera ser perfeita a escolha por um mar calmo... Quem saberia as respostas para uma ilustre vontade de viver...Calar... Vingar... Realçar a angústia... Aprimorar a solidão... Refazer uma vida de realizações estúpidas e involuntárias... Quem sabe o que quer de verdade num mundinho que nos mostra a cada dia a imperfeição de nossos anseios? Seriam os loucos? Seriam os cativos? Ou seriam os medrosos?
Fuma-se a erva da iniqüidade e nem mesmo os pensamentos se completam... Procuramos vida, sentimento e sucesso... Pára aí? Creio que não... Pára em algum lugar? Talvez naquele que nos sentimos totalmente indefesos, o desconhecido mundo de nós mesmos.
Quem quer brincar de viver? Quem quer responder por um erro? Quem quer entender a realidade irreal de nossas vidas? Sofrer, sorrir, sentir, sair para fora de nosso eterno vazio? Quão grande é o poço de nossas virtudes... Por mais que se queira atingi-las, estamos longe de possuí-las...
...Quanta “realidade” expressa nossas “verdades”. Hoje assim, amanhã totalmente arrependido, hoje vida, algum dia a morte, que vem mesmo antes de um acontecimento eterno. Querer implodir a razão é realçar as imperfeições de uma loucura progressiva, lenta e duvidosa.
Quais seriam as cores de um arco-íris real? Quais seriam as vestes de uma musa sensual? Quem seriam os astros de um mundo casual? Qual seria a verdade de um sentimento natural abafado pela casualidade social?
Vive-se, deita-se num mundo cheio de diferenças. Ali o encontro, de um outro lado a ausência de qualquer fato condicional. Numa página a realização, na outra a insatisfação. O trabalho, a meta, a necessidade de perfeição; o que seriam? Nada, apenas a desculpa que assumimos pensando caminhar por uma coisa mais séria que nossas próprias vontades... Nosso consolo, nossa família, nossa “responsabilidade” por tudo que preocupa ao mundo racional e estúpido: nossa projeção vital regada à esquizofrenia de nossa ausência.
Vivemos ontem, e amanhã morremos em prol do que? Do tudo feito, do tudo conquistado ou do talvez realizado? Quem responde? É claro que ninguém, pois o que se busca é a abstração para um entendimento pessoal. Leva-se amor, rancor, ódio, afeição, e momentos eternos vividos de uma forma pura e singular... Leva-se a destreza, leva-se o pensamento e a realização de mentes que se encontram na necessidade mútua.
Quem quer viver se não por fatos realmente relevantes? Quem não quer sorrir nos momentos de angústia? Quais são os tolos que desprezam o verdadeiro caminho? Quem seriam os astros de uma vida realmente vivida?
Ora estes, ora aqueles, ontem sãos, hoje doentes...Quem é o que nesta jornada pela vida “correta”? Atropelam-se as “verdades”, grita-se a razão e no final a emancipação do nada, o próprio dilúvio voluntário.
Por quê? O que realmente se quer é viver, cantar uma canção que não cesse, sorrir para um mundo realmente prazeroso. Quais são as reais vontades de uma existência, quando se aniquila a força de um momento...Por quê? Para quê? Motivos que nunca nos deixam, e que não temos como controlar, porém algumas certezas nos consolam: a angústia de estarmos sozinhos nesta coletividade, atados aos nossos próprios braços, consumindo a nós mesmos numa tentativa de auto conhecimento. Vivemos, buscamos, e cada vez mais, não encontramos o real sentido para nós mesmos.
(*) Esta crônica foi escrita por Alessandro Borges no dia 30 de janeiro de 2002, relatando um reflexo sobre a "realidade" existente em nossos mundos....

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